Insensatez histórica






Insensatez histórica.




por Paulo da Vida Athos*




Quando em 1976 um grupo de presos condenados pela LSN (Lei de Segurança Nacional), que por pura estupidez administrativa estavam isolados dos outros mil e tantos presos comuns, com contato fugaz apenas com alguns presos políticos condenados pela mesma LSN, em uma galeria apelidada de “Fundão”, na Ilha Grande, no Estado do Rio de Janeiro, com intuito de enfraquecer a liderança desses pouco mais de cem homens, a administração penitenciária, então tendo como diretor Augusto Thompson, resolveu misturá-los com a massa.
Essas duas idéias idiotas, a primeira de confiná-los e a segunda de misturá-los após anos de separação, criaram a Falange Vermelha que, hoje, conhecemos como Comando Vermelho, uma das facções criminosas que assola a sociedade carioca e mantêm refém de seus códigos alguns milhões de pessoas que moram em nossos guetos e favelas.
O crime e a criminalidade violenta são frutos do que a ciência social e política faz tempo já deixaram mais que claro para todos com um mínimo de razão: a desigualdade social feroz que gera a injustiça social e uma reação previsível. Sempre. As vezes penso com meus botões qual seria o futuro de dez brasileirinhos carioquíssimos retirados de dez de nossas favelas e educados em algum dos países nórdicos (longe de mim pensar em mandar para países supostamente desenvolvidos mas que guardam em seu bojo as mesmas diferenças). Nunca com meus botões penso em trazer dez finlandeses ou holandeses para distribuir os pobrezinhos pelas favelas do Rio. Isso seria formação de quadrilha, entre meus botões e eu. Seria criminoso.
De 1976 para cá, temos 30 anos. Antes disso, em meados dos anos 80, já víamos as garras do CV apontadas para nossa cara.
Hoje vemos os primeiros passos de algo mais grave e potencialmente imensuravelmente mais nocivo para a sociedade que são as chamadas “milícias”.
E, o que são as milícias?
Para quem olha para a face romântica desse monstro, são alguns bravos que resolveram heroicamente expulsar os traficantes das favelas do Rio para, assumindo seu lugar e o do Estado, estabelecer a paz social.
Mas a verdade é outra. Embora alguns especialistas estejam divididos, estamos aceitando no lugar do crime supostamente organizado, uma facção realmente organizada que tem entre seus componentes, policiais civis e militares da ativa, ex policiais expulsos em razão de condenação judiciais (assassinatos, tráfico de entorpecentes, seqüestros, etc.) e, a essas forças, juntar-se-ão aqueles que respondem por crimes do mesmo quilate e que certamente serão expulsos de suas corporações antes de reforçarem o contingente dos milicianos.
Se esse monstro não for abatido agora, em menos de dez anos isso não mais será possível e, assim como em nossos guetos e favelas, todos estaremos a mercê desses criminosos. E quando digo todos, falo em mim, em você, na sociedade e nos Governos e governantes. Com muito menos o ex-policial civil João Arcanjo Ribeiro, conhecido como "Comendador" João Arcanjo Ribeiro, havia tomado o Mato Grosso.
O que a milícia faz, por enquanto, além de matar impunemente, é cobrar as mesmas taxas por cada botijão de gás e por cada ponto de TV a cabo, conhecido como “gato-net”. Além disso, criou uma nova taxa, chamada de taxa de proteção, que cada família é obrigada a pagar. Mas não vão parar por aí. Seria muita ingenuidade imaginar que desprezariam a venda de entorpecentes que dá lucros inimagináveis. Falar que não, é ser burro ou louco. Se hoje muitos dos milicianos são ex-policiais expulsos justamente por tráfico, qual a razão para achar que mudarão? Vão ser presos por isso? Presos por quem? Não esqueçam que ele também estarão nas polícias...

Muito bem.

Enquanto isso mais uma tragédia se abatia sobre o Rio com a morte de João Hélio Fernandes. Em ação inominável, criminosos o arrastaram até a morte ao tentarem fugir durante um assalto, e o menino, de apenas seis anos, ficara preso ao cinto de segurança do veículo para desespero de seus familiares e comoção de todos nós.

Claro que como acontece no Brasil, invariavelmente, algumas vozes (dessas, a única que me surpreendeu foi a da CNBB, que logo publicou desmentido) se ergueram para pedir mais pena, penas mais severas, diminuição da menoridade penal e outras medidas do mesmo jaez que sempre foram tomadas por nossos legisladores com o apoio de nossos governantes, mas que nunca apresentaram qualquer resultado positivo. Não apresentaram por uma razão singela: não se combate o crime, não se diminui a criminalidade, com mais pena. Segundo os especialistas, a pena tem como finalidades "confinamento, ordem interna, punição, intimidação particular e geral e regeneração". Na prática, só temos a aplicação do confinamento. Pena é ilusão. Aliás, bem a gosto de nossos legisladores e governantes que criam leis mais severas, iludindo o povão até a próxima tragédia. 

E afirmo isso baseado em fatos. Nesse mesmo espaço de tempo, três chacinas ocorreram em São Paulo. Na última, as vítimas foram baleadas na cabeça e no peito. Foram encaminhadas ao pronto-socorro do Hospital de Vila Nova Cachoeirinha, para onde apenas Leandro Siqueira, de 19 anos, seguiu vivo. Morreram: Ewerton Damião Silva de Freitas, de 19 anos, Rafael Jesus da Rocha, de 20 anos, Douglas Ribeiro Francelino, 17 anos, Francisco Itamar Lima da Silva, 17 anos, Antonio Elias Lima da Silva e Robson de Oliveira Novaes, de 16 anos. Nenhuma das vítimas possuía passagem pela polícia, que não sabe informar por enquanto se por trás do crime possa haver algum grupo de extermínio. Curiosamente as três chacinas ocorreram na zona norte paulistana.

O que tem uma coisa com a outra, perguntam alguns. Tudo!

Para mim as mortes de nossas crianças, de nossos jovens e policiais , são inaceitáveis!

Minha alma inaceita esse blá blá blá de mais pena ou de pena de morte, se não temos nem um poder judiciário ainda totalmente confiável e, muito menos, justiça social. Quem serão os clientes dessas novas penas? Claro, como sempre os pobres. Isso é regra e não quero saber de exceção. Onde os colocaremos? Quando voltarem, como voltarão? Quantos serão os injustiçados? Se uma nova Constituição fosse promulgada, e nela constasse a previsão de pena de morte, para mim bastaria um erro judicial, mais nada, para condenar à morte a pena de morte. E vejam, nem precisaria ser de um filho meu...

Já passou da hora de cobrarmos de nossos legisladores e governantes medidas que diminuam a desigualdade social. Pena temos de sobra. Ou será pouco 444 anos de prisão a que foi condenado o traficante e homicida Anderson Gonçalves dos Santos, o Lorde, acusado de comandar o ataque a um ônibus da linha 350 em novembro de 2005?

Portanto, não contem comigo para pedir mais pena ou diminuição da menoridade penal.

Mas contem sempre para lutarmos juntos pela diminuição da desigualdade social.




*Paulo R. de A. David


Ps. Ou a gente muda tudo, até o modo de pensar, ou então é continuar como denuncia Max Gonzaga e Banda Marginal na música Classe Média. Imperdível hino de acusação. Confira agora:



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