A torpeza que vive em nós
A torpeza que vive em nós
Mais uma vez o senado e a câmara se aproveitam da visão
obtusa da sociedade. Elencarem mais crimes no rol dos hediondos, e aleluia!!, a
sociedade pode dormir em paz...
Pode?
Não, não pode.
Desde que esfacelaram o avanço na legislação penal
brasileira que teve seu apogeu em 1984, quando foi elogiada pela academia
internacional, o que vimos foi uma catástrofe que teve aceleração acentuada a
partir de 1990 com a edição da lei 8.072 que "criou" os crimes
chamados "hediondos".
De lá para cá, 35 anos se passaram.
Durante esse tempo, a cada fato criminoso que provocava
clamor midiático, que não se confunde com clamor público, pronto, surgia a
figura quase sempre sob suspeita do legislador, e, em verdadeiro estelionato
onde a vítima, o povo, e o vigarista, o político, em clara torpeza bilateral,
fingiam que a criminalidade estava sendo combatida.
Pena nunca combateu criminalidade. E pena não combate
criminalidade porque não combate a causa da criminalidade.
O resto é bobagem, fruto de ignorância ou má-fé.
Pode aumentar a pena que quem vai cometer um crime não está
nem aí se a pena é de 10 ou de 100 anos. Ele vai pra se dar bem, se achasse que
poderia se dar mal, eu disse poderia, nem iria, não é trouxa como a sociedade
é, e pensa que ele é igual. Não vai. Se acha que vai se dar mal, manda você,
leitor, você mesmo, em seu lugar.
Mas vai que se dá mal. É daí?
A população carcerária que temos hoje, já nos coloca no
desonroso quarto lugar em número de presos no mundo. São mais de 550 mil
presos. É a ponta do iceberg. O resto está solto. Tem mais mandados de prisão
para serem cumpridos do que gente presa. Tem muito mais bandido que nunca
sequer passou perto de uma delegacia do que mandados de prisão para serem
cumpridos.
E você acredita mesmo em combater a criminalidade com uma
canetada?
Acredita que tem prisão pra isso tudo?
Não se combate a criminalidade com pena. Não são palavras
minhas, mas da academia.
Criminalidade se combate na raiz e a raiz é um negócio onde
o buraco é mais embaixo.
É no comer, é no morar, é na educação, é na igualdade e na
justiça social, coisa que a gente não pode esperar de políticos que acenam com
hediondez para mais crimes, de olho em nossa idiotice, essa mesma idiotice que
os tem reeleito, dizendo que isso é uma medida eficaz.
Quando vejo políticos votando contra direitos historicamente
conquistados pelos trabalhadores ou posarem de heróis com a bandeira do crime
hediondo, da diminuição da maioridade penal, sinto vergonha.
Quando vejo a sociedade usar de todo o cinismo que é capaz,
para fingir que acredita. Sinto nojo.
Aumentar a pena, ademais, não é punição.
E punição não é presentear com o inferno.
Observe que os que são presos um dia voltam. Como estarão?
Como os receberemos?
Um dia despertaremos para o fato de que toda vida é
igualmente importante, que todo crime é hediondo, inclusive o nosso, esse crime
de omissão que praticamos todos os dias quando temos notícia de que um jovem,
branco ou negro, pobre ou rico, no asfalto ou na favela, morreu pelas mãos de
um bandido ou de um policial e que esse crime, hediondo ou não, ficou impune.
E fomos nós que puxamos o gatilho...
E fomos nós que puxamos o gatilho...
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