Ode à Vila Cruzeiro



ODE À VILA CRUZEIRO







Meus gritos despertam as noites,
ferem os tímpanos das madrugadas,
atravessam ruas e cidades,
violentam fronteiras,
misturam-se aos berros de dor,
aos sussurros e gemidos de amor,
ao silêncio que acompanha a lágrima que corre na face da vida,
antes de se perder no nada.

Meu grito é mais que um grito!

É lamento de cada esperança morta,
mas também vagido.

Se incomodar, pouco importa!
Vai além das janelas, não respeita portas
trancadas pelo cinismo, pelo egoísmo,
pela apatia geral.

Meu grito é irreprimível.

Sai de mim
mas pertence aos bêbados caídos em cada beco,
às putas e decaídas,
aos meninos que moram na esquina,
às vítimas de cada chacina,
à legião excluída do banquete da vida.

Meu grito é a rajada mortal,
é o som da bala perdida,
o olhar de incredulidade,
da dor surda, dor aguda,
da mãe que perde a vida,
por ela criada, por ela parida,
no momento exato e fatal
quando lhe falta o chão,
quando lhe roubam o ar,
e ainda tem que escutar...
que tudo isso é normal.

Meu grito é mais que grito!

É uivo de cão errante, malsão,
de animal em extinção,
que vai por aí sem se importar
se está na contramão,
se o vão pegar no contrapé,
se a caminhada é curta ou distante,
se o caminho existe ou se é só sonho
de alma delirante.

Meu grito é vira-lata
e será ouvido em cada esquina,
invadirá janelas abertas,
deixará certezas incertas,
converterá alguns e seguirá caminho.

Meu grito é dor de pranto,
que teimam fingir não ouvir,
que vem de escuras vielas,
dos cruzeiros, das favelas,
dos meninos em volta de velas,
sem amanhã para despertar...

Meu grito é grito demente!
Eu como ele, não mudo!
Sou desses seres inválidos para a covardia.
Dizem-me louco, digo-os surdos.

(Paulo da Vida Athos)

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