Nòs? Somos os "outros"...




NÓS? SOMOS “OS OUTROS”...




por Paulo da Vida Athos



Estamos em mês de festa. Existe no ar algo inebriante que faz nossa alma divagar, que faz com que adormeçamos em sonhos e despertemos em festa. O cerne da felicidade e da realização utópica nos transpassa o coração que dança no fluir de nossa embriaguez. O Natal é lindo, o Ano Novo é lindo, tudo fica mais lindo, até o pôr-do-sol. Tudo fica diferente e mágico.

As árvores iluminadas por micro lâmpadas, a fachada dos prédios e das casas, a maior árvore de natal flutuante do mundo! Nós somos o máximo! A vida é o máximo! O ano que vem será o máximo! Tudo pensado assim e vivido assim, como no ano passado e nos outros já passados anos também. O nome disso: esperança. Eu amo a esperança, tanto quanto qualquer um. Conto com ela, como todos nós. Até por que ela será a penúltima que verei morrer antes de mim...

Lembro que me despedi de 2004 com amargura. O fato que mais me marcara não ocorrera no Iraque, mas na minha cara, num bairro chamado Benfica, na cidade do Rio de Janeiro. Foi em 1º de junho de 2004 quando mais de 30 pessoas foram massacrados no que no que a história registrará como a “Chacina de Benfica”.

Eu tinha esperança de que 2005 me brindaria, nos brindaria, com paz.

Quando o menor um menor de 16 anos, diz que policiais militares do posto de policiamento comunitário de uma favela (Parada de Lucas, Rio de Janeiro) receberam R$ 50 mil para ajudar traficantes da favela na invasão de uma favela rival e limítrofe (a de Vigário Geral), ocorrida na madrugada 13 de dezembro de 2005, ocasião em que oito jovens foram seqüestrados, nominando o corruptor, um traficante, e reconhecendo um dos policiais militares, é uma coisa doída.

Quando então é revelado que tal apoio se deu para facilitar o ataque de um grupo de traficantes de uma facção contra outra facção, que o Governo do Estado desmente existir, como se fosse ele o último dos arautos da cegueira social, e, mais ainda, quando se sabe que tal grupo de policiais militares ainda acionaram de forma enganosa sua corporação para que enviassem um carro blindado para apoiar esse ataque (chamado de Caveirão), a coisa é doida mesmo.

Imaginemos a cena: na frente uma guarnição de policiais militares armados com fuzis, pistolas e metralhadoras, seguidos pelo carro blindado que leva o nome que leva mas poderia bem ser chamado de dragão, pois cospe fogo e chumbo grosso para todos os lados, e, fechando a cunha de ataque, traficantes em maior número que os próprios policiais que compraram, com armas muito mais sofisticadas e potentes que aqueles, num golpe de mestre!

Quem imaginaria que a polícia iria se dar a praticar tomada de território de venda de entorpecentes, apoiando o fogo de uma ala dos marginais? Nós não. Mas eles, os bandidos de ambos os lados, sim. Não só imaginam como sabem. Isso fica claro pela chamada do tal veículo blindado (que aqui, por questão de justiça, se deixe claro que os integrantes do veículo de nada sabiam, estavam no quartel quando o caveirão foi requisitado para apoio).

Isso ocorre por que nossa polícia militar, por culpa de sua política burra de ostensividade, associada ao número cada vez maior de policiais que se tornam bandidos de carteira, não tem qualquer crédito em nossos quilombos, em nossos guetos, em nossas miseráveis favelas. Lá, só acreditam em uma coisa quanto a esses policiais: são bandidos e matam. Com a política de PPC (Posto de Policiamento Comunitário) que instalaram em alguns de nossos guetos, o Governo do Estado criou verdadeiras “embaixadas” onde bandidos traficantes e bandidos policiais negociam tudo. De quanto custará fechar os olhos para o tráfico e outros crimes, até a negociação de participar momentaneamente para tomar um território rentável do vizinho inimigo. Isso quando não se contrata e negocia a própria execução de um colega de farda que não quis participar do botim nem do “jogo”.

Não sem razão volta e meia vemos na mídia que policiais militares atiraram em policiais militares que estavam em outra operação, fora de sua área de atuação.

A favela invadida tem notoriedade internacional: Vigário Geral. Todos dela já ouviram falar desde a chacina quando 21 pessoas foram mortas, em agosto de 1993. O Ministério Público denunciou, na época, 52 policiais militares. Desse total, apenas sete foram condenados pelo 2º Tribunal do Júri da Capital. Os demais foram absolvidos por falta de provas.

Parece que Vigário Geral caiu em desgraça geral em razão de nosso silêncio geral.

Mas 2005 foi um grande ano para nossos chacinadores! Um ano farto!

No dia 3 de dezembro desse ano, em mais uma chacina, dessa vez no Morro do Estado, quilombo situado em Niterói, Rio de janeiro, morreram os meninos Welington Santiago Oliveira Lima, 11, e Luciano Rocha Tavares, 12, além de outros dois adolescentes e um jovem. Os PMs haviam alegado que eles estavam envolvidos no tráfico de drogas, mas os moradores da região negam a acusação.

Na madrugada de 31 de março para 1.º de abril desse ano – que data mais marcada essa - ocorreu a chacina praticada por policiais militares que queriam “marcar território” na Baixada Fluminense, deixando um saldo de pelo menos 30 mortos, entre crianças, mulheres e adultos, Todos inocentes! Todos trabalhadores e crianças que estavam perto de suas casas.

Na época a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro divulgou nota à imprensa, na qual se lia: "A Secretaria de Segurança Pública trabalha com a forte hipótese de que as chacinas podem ter sido uma represália à operação Navalha da Carne que prendeu oito policiais militares suspeitos de terem cometido um duplo assassinato nos fundos do 15º BPM, de Duque de Caxias”.

Essas chacinas são o atestado de incompetência crônica de nossas autoridades em segurança pública e do Governo do Estado do Rio de Janeiro. A impunidade tem sido o adubo para o banditismo civil e policial. Parece que não bastam mais nossas montanhas anuais de cadáveres e ainda existem os cínicos que fazem da Pena de Morte seu motor eleitoral. Já temos a Pena de Morte. O que não temos é Governo e Segurança Pública! Ah! Nem vergonha na cara! Podem apostar que não renovaremos nem um terço de nossas Câmaras municipais, estaduais e federais, e muito menos do Senado da República.

E aos imbecis de plantão, que vão me criticar, um alerta. Por mais que a polícia mate, as estruturas da criminalidade permanecem intocáveis e intocados. Mata um Lulu? Tem dez, cem, mil, dez mil, milhões para assumirem seu lugar.

Não há Justiça Social e, não havendo, há crime!

Alguns ficaram contentes e louvarão essas e outras mortes. Mas o cidadão de bem, que é lúcido e que mantém com seus impostos essa polícia que aí está, cada dia que passa está mais convencido de que essa estratégia que usam de há muito fez dessa guerra uma guerra perdida.

Essa política de extermínio que muitos aplaudiram, juntou traficantes e policiais bandidos.

Nós? Ora. Nós não temos carros blindados, seguranças, helicópteros, etc.

Nós não temos fuzis nem “caveirões”.

Nós? Somos “os outros”...

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